segunda-feira, 11 de março de 2013

A Criança Nasceu com o Renascimento


Hoje, quando olhamos para uma criança vemos uma criança, mas sempre foi assim. Antigamente, na época medieval, as crianças representavam-se como pequenos adultos, sem se constituírem como uma idade “própria”, com as suas próprias caraterísticas e distinções. As crianças medievais tinham um valor e importância bem diferente das de hoje.
É a partir do século XV que se institui um novo modo de representar a criança na arte, especialmente a mais retratada das crianças: Jesus. Nessa altura começam a surgir em várias obras, nas cenas da natividade e em outras representações onde se incluíam os primeiros momentos ou anos da vida, manifestações de um jesus com os traços característicos dos recém-nascidos e/ou crianças – jesus deixa de ser representado com gestos de santificação e abençoamento para passar a ser uma bebé ou criança perfeitamente normal (notar o trabalho de Jan Van Eyck). Isto poderia ser visto apenas como uma evolução das técnicas e dos gostos plásticos e artísticos, no entanto era a própria sociedade que começava a mudar e as crianças a ganhar um destaque sem precedentes. Mas essa ascensão foi lenta. Por exemplo, é no século XVII, nos retratos encomendados pelos mais abastados, que começam a surgir crianças com roupas distintas dos adultos. 
A Virgem Maria amamentando - Jan Van Eyck
Voltando ao século XV, encontram-se outros indícios que parecem atestar a mudança de mentalidades. Enquanto autores como Montaigne referem que perder vários filhos bebés “é um desgosto mas não um lamento”, outros pais tendiam a guardar retratos dos seus rebentos prematuramente falecidos. Por outro lado, Kochanowski assumiu um comportamento de mudança, tendo dedicado a sua melhor obra à sua filha que morrera aos 4 anos. 
Durante toda a Idade Moderna foi crescendo sem cessar a importância e atenção dada às crianças, e com isso desenvolveu-se naturalmente a própria educação, e pode-se dizer que surgiu a pedagogia. Os catecismos e os cantos corais de crianças foram os primeiros reflexos da importância que se começou a dar à instrução dos mais novos – numa altura em que isso não se separava da religião. 
Os colégios medievais, por mais estranho que nos possa parecer, não faziam distinções de classes por idades; essa metodologia pedagógica só viria ser adotada posteriormente. O interesse do professor pelo desenvolvimento dos alunos limitava-se à transmissão de conhecimentos e à melhoria da capacidade de memorização. Os estudantes eram, em tempos medievais, vistos como grupos de causadores de conflitos com as comunidades onde os estudos se davam, ou seja, de má fama, apesar de ligados o clericalismo. isto ocorria especialmente nos estudantes universitários.
Foi então entre o século XV e XVII que se ganhou consciência efetiva, e irrefutável, de que a criança e o adolescente eram seres diferentes dos adultos, e que precisavam de um tipo especial de proteção – para o bem deles e da própria sociedade. Esses primeiros pedagogos defendiam que a disciplina era o único meio de proteger as crianças do mundo corrompido e de as preparar para uma existência de hábitos virtuosos. Com um forte sentimento religioso à mistura, consideravam que os professores tinham as almas dos alunos a seu cargo, sendo responsáveis pela conduta moral das crianças, e indiretamente dos futuros adultos que viriam a ser. 
Desde os primeiros séculos após o período medieval a pedagogia continuou a mudar, desenvolvendo-se novas teorias e métodos pedagógicos, tal como novos e mais aprofundados modos de ver as crianças. No entanto, pode-se dizer que a criança, tal como a pensamos e vemos hoje, terá nascido no renascimento, ainda que hoje saibamos que na antiguidade a pedagogia já tivesse séculos de desenvolvimento – já Aristóteles dizia mais ou menos isto: “educai as crianças para evitar castigar os homens”.

Referência bibliográficas:
  • Delumeau, Jean. "A Civilização do Renascimento". Edições 70, 2004

3 comentários:

  1. É sempre com enorme satisfação que leio os seus textos.
    Não só leio como aprendo, adoro história!
    Obrigada por partilhar ,os seus vastos conhecimentos de uma forma
    acessível.

    Isabella

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  2. Muito obrigado. Escrever, ainda que com constantes erros e lapso, neste blogue é um continuado prazer intelectual. Não considero que os meus saberes sejam muito vastos - digamos que tiro muitas notas nas minhas leituras ;)

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  3. Ao passar pela net encontrei o seu blog, estive a ler algumas coisas e posso dizer que é um blog fantástico,
    com um bom conteúdo, dou-lhe os meus parabéns.
    Se desejar faça uma vista ao Peregrino e sevo e deixe o seu comentário.
    Sou António Batalha, do Peregrino E Servo.

    ResponderEliminar

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